João Morais, médico fisiatra, escreve sobre o equilíbrio necessário entre o dano e a recuperação.

Dr João Morais

O triatlo é uma modalidade em franca expansão, com um número de participantes cada vez maior, em particular as longas distâncias, estando estes atletas sujeitos a longos treinos muitas vezes superiores 12 horas semanais, no contexto amador. Um estudo recente, refere que 91% dos atletas que participaram no Ironman no Havai contraíram algum tipo de lesão no decorrer da prova. Não é muito acima dos 85% verificados em atletas que concluíram maratonas.

As lesões mais frequentes estão relacionadas com sobrecarga muscular/tendinosa, entorses e rupturas musculares e a própria fadiga/exaustão. Podemos dividir as lesões em dois tipos. As agudas que geralmente são as que ocorrem subitamente devido a quedas, entorses ou movimentos bruscos e as de overuse que se vão desenvolvendo com o acumular de horas de treino.

Existem ainda factores extrínsecos às lesões, incluindo equipamentos em más condições do próprio atleta (alerto para a necessidade de inspecção de sapatilhas e do correcto posicionamento na bicicleta), o não cumprimento de leis de trânsito por parte de atletas e de cidadãos, o estado da superfície do treino na corrida e na bicicleta. Os factores intrínsecos podem ser não modificáveis como o sexo, idade, maturação musculo- esquelética e os antecedentes de lesão tendinosa, muscular, ligamentar ou óssea; ou podem ser factores intrínsecos modificáveis nos quais o atleta por prevenção pode melhorar a força muscular, a estabilidade articular, a proprioceptividade, ter estratégias de recuperação, cuidados com alimentação e controlar os seus níveis de stress e factores psicológicos.

"O problema com que os treinadores se deparam é no respectivo equilíbrio entre o dano da recuperação"

Destacarei as lesões overuse pois são as mais frequentes e as que mais dores de cabeça dão a atletas, treinadores e staff médico. As lesões overuse são de etiologia multifactorial. Estudos indicam que este tipo de lesões se devem a fenómenos de “fadiga mecânica”, ou seja, o dano tecidular que o treino provoca aliado à perda progressiva da elasticidade do músculo/tendão, associadas a cargas repetitivas e a períodos de actividade cumulativa/volume sem o respectivo tempo/período para a sua recuperação. É claro que para o atleta se desenvolver e melhorar a sua performance tem ser submetido a esse dano, que serve como estímulo à remodelação e adaptação e só dessa forma pode progredir e melhorar a sua condição física. Mas, esse dano deverá ser controlado, e neste contexto é fundamental perceber a importância que deve ser dada ao descanso/repouso e às estratégias de recuperação muscular a nível alimentar e de reabilitação. Não esquecer ainda a importância do sono como estratégia de recuperação.

O problema com que os treinadores se deparam é no respectivo equilíbrio entre o dano e a recuperação. Neste âmbito, estratégias usadas na avaliação do treino pelo próprio atleta têm sido cada vez mais valorizadas, bem como a sua sensação de recuperação no início do mesmo.

Vários estudos indicam que os atletas amadores não realizam exercícios de alongamento/flexibilidade de forma sistemática. O factor responsável por atletas com patologia crónica de tendinopatia do aquiles, rotuliano/patelar ou dor lombar devem-se a falta de alongamento dos grupos musculares envolvidos nessas articulações. Por outro lado, é raro triatletas fazerem programas de reforço muscular, verificando-se que muita da patologia do membro inferior é provocada pela diferença desproporcional da razão de força entre os grupos musculares agonistas e antagonistas que resultarão em “uso excessivo” da unidade musculotendinosa mais fraca.

Felizmente, a maioria destas situações resolve-se com tratamento médico conservador e redução da carga de treino. Algumas vezes é necessário equilibrar muscularmente os grupos musculares ou alongar as respectivas estruturas. Também as alterações do gesto técnico podem contribuir para evitar lesões. Mas o triatlo tem uma vantagem sobre quase todas as modalidades: é possível elaborar planos de treino que alternem as modalidades, permitindo poupar os grupos musculares que estão em esforço ou que apresentam lesão de forma temporária, permitindo a sua recuperação, mas mantendo o atleta em treino relativamente às outras valências.

Resumindo, num desporto com a exigência física do Triatlo, é fundamental treinar de forma acompanhada e não descuidar as lesões, procurando sempre ajuda especializada para as tratar. O objectivo final é, e será sempre, divertir-se a praticar o que tanto gosta.

(Texto escrito da edição nº13 - Formato papel)