O que é preciso para chegar aos Jogos Olímpicos? E depois, o que fica? Há quem tenha trocado o triatlo pelos camiões, ou pelos negócios, mas o sonho que viveram continua cravado na pele.

A outra vida de um olímpico

O que leva um homem que não gosta de agulhas a fazer uma tatuagem? O desejo inconsciente de perpetuar um sonho. Só isso explica que Miguel Arraiolos, avesso a essa coisa das “picas”, tenha decidido desenhar no braço direito, para sempre, cinco anéis coloridos. São memórias.

“Fazer uma tatuagem nunca foi um desejo meu, até porque eu nunca fui muito dado à família das agulhas, mas pensei: Se lá for em 2016 vou tatuar”. E assim foi. Num desenho, todas as recordações. Miguel lembra o espírito olímpico, a cerimónia de encerramento e o sorriso dos pais, nas ruas do Rio de Janeiro, a partilharem a sonho do filho.

“Ter a oportunidade de continuar ligado ao triatlo é um privilégio”

Bruno Pais é mais pragmático, sempre foi. Dos Jogos guarda o prazer de poder estar “com os melhores, junto dos melhores, a competir com os melhores”. Esse é o grande rótulo que fica preso à pele de um atleta que passa pelo “Olimpo”: fazer parte de uma elite, da nata da modalidade. Tatuado, ou não, é esse “carimbo” que o tempo não apaga. E as recordações físicas? As toucas, os equipamentos? “Tenho lá nas gavetas”. Resposta à Bruno Pais, depois do 17º lugar em Pequim e 41º em Londres. O seu maior património é o conhecimento e a experiência. “Ele adora ensinar e nós adoramos aprender com uma figura como ele”, diz-se no balneário da equipa que treina à hora do almoço. Depois de muitos anos dedicado à alta-competição, Bruno conseguiu continuar ligado à modalidade e assumiu as funções de coordenador da secção de triatlo do Estoril Praia Credibom. “Ter a oportunidade de continuar ligado ao triatlo é um privilégio”, sublinha o ex-olímpico.

“Sou motorista de pesados há quatro anos. Mudei por opção, não por necessidade"

Quem se afastou, por opção, foi Vanessa Fernandes – agora empresária, e Duarte Marques. O triatleta que foi 45º em Pequim trocou o triatlo pelos camiões. “Sou motorista de pesados há quatro anos. Mudei por opção, não por necessidade”. Duarte revela que este era um desejo antigo, até porque a gestão dos horários da modalidade não era tarefa fácil. Licenciado em Ciências do Desporto, Marques lembra que a principal dificuldade no caminho para o sonho olímpico foi a conciliação com os estudos. “Fiz questão de nunca abandonar, garantindo uma estabilidade futura que sabia não existir como atleta profissional”, sublinha.

A estrada continua a ser a sua vida. Deixou a bicicleta e os ténis e agarrou-se ao volante. Hoje, quando olha pelo espelho retrovisor recorda a concretização do sonho. “ Toda a prova, desde o tiro de partida ao cortar da meta, está na minha memória, pois foi para aquelas quase duas horas de competição que dediquei milhares de horas de treino”. A recordação do dia “D” está guardada num lugar especial, mas, como gosta de dizer, os Jogos Olímpicos não se resumem ao dia da prova. “.É todo o processo que nos leva até lá. Anos de pontos altos e baixos que nos acaba por moldar e definir como pessoa e consequentemente como atleta”, resume Duarte Marques.