Um triatleta português reuniu uma equipa de gente solidária, desenvolveu um ventilador em tempo recorde, a custo baixo, sem fins lucrativos, mas vai acabar a salvar vidas em Angola e Moçambique porque em Portugal esbarrou em inércia, falta de conhecimento e obstáculos burocráticos.

13 de Março de 2020. O telefone de Pedro Monteiro tocou. Uma amigo médico precisava de ajuda. “Faltam ventiladores e se há pessoa que pode fazer alguma coisa, essa pessoa és tu”. O fabricante de peças de carbono não foi capaz de recusar o desafio. Triatleta apaixonado e homem habituado a produzir componentes para o mundo das bicicletas, passou as horas seguintes a tentar entender o que era um ventilador. A ideia inicial seria desenvolver ventiladores “made in Portugal” e oferecê-los ao Serviço Nacional de Saúde. A verdade é que aquilo que podia ter sido uma bonita história de solidariedade, transformou-se numa batalha contra inércia, burocracia e muitas dúvidas. Já lá vamos. É sempre melhor começar pelo lado bonito das histórias bonitas.

“O nosso objectivo é salvar vidas”, recorda o empresário de Cascais. O nome do projecto ajuda a resumir os seus ideais. AIR4ALL foi a marca escolhida para dar corpo ao sonho. Juntaram-se investigadores, professores e outros voluntários. Cada um chegou-se à frente com tempo e dinheiro. Em apenas três semanas, surgiu o primeiro protótipo e com ele uma novidade: afinal, era possível produzir um ventilador por cerca de 2 mil euros, quando os preços antes da pandemia rondavam os 10 mil. Uma boa notícia em condições normais, ou talvez não.

Depois de ganhar corpo, o ventilador da AIR4ALL ganhou problemas. “O projecto continua, mas não haverá ventiladores destes nos hospitais em Portugal”, dispara Pedro Monteiro. Silêncio. A verdade é que a partir do momento em que o protótipo ficou pronto, começaram os problemas. “Este projecto esbarrou na inércia do sistema. Faltou vontade e conhecimento para fazer melhor”, critica Pedro Monteiro. O proprietário da Morphis Composites refere-se ao processo de certificação da máquina. “Primeiro, ninguém sabia certificar um ventilador em Portugal. Depois, quase dois meses depois de estarmos em Estado de Emergência, o Infarmed emite um parecer onde abre a porta a uma certificação sumária [para os ventiladores em causa] mas deixa claro que só serão usados caso se esgote a capacidade instalada”, resume o empresário

“Não interessa a muita gente que estes ventiladores estejam no mercado"

Entretanto, terminou o Estado de Emergência. Solução? Avançar para o processo de certificação internacional que demora, segundo o empresário, “cerca de um ano, um ano e meio”. O projecto de solidariedade inicialmente desenhado para o território nacional encontrou vários obstáculos. “Em Portugal sente-se uma série de anti-corpos. Não queremos ser inconvenientes ao nosso país. O nosso objectivo continua a ser salvar vidas e vamos fazê-lo noutros países. Uma vida vale tanto em Portugal com noutro lado qualquer. Se no final tivermos salvado uma vida, seja onde for, já valeu a pena”, explica o triatleta.

Enquanto a AIR4ALL se debatia com estes problemas burocráticos para certificar os ventiladores que tinha desenvolvido a baixo custo e sem interesse comercial, o Governo português encomendava à China 500 ventiladores por 10 milhões de euros. Contas feitas, custariam 20 mil euros cada um, mais coisa menos coisa. “Chegaram, nem instruções em inglês tinham e estão à espera de ser devolvidos porque não funcionam”, anota Pedro Monteiro. O triatleta e a sua equipa não baixaram os braços e viraram-se para África. Estão a preparar os ventiladores para poderem salvar vidas em Angola e Moçambique. Em relação a Portugal, Pedro tem poucas dúvidas. “Não interessa a muita gente que estes ventiladores estejam no mercado”. O triatleta refere-se ao facto do AIR4ALL ter vindo mostrar que é possível fabricar um ventilador a baixo custo, não abrindo espaço para grandes especulações de preço. “Não há razão para estes equipamentos custarem aquilo que custam”, resume. Pedro Monteiro recusa alterar a filosofia solidária do projecto. “Se não tivéssemos colocado um travão, o propósito solidário poderia ter-se transformado num propósito comercial”, explica.

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